Blog da Galatéia

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... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos

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sábado, 18 de setembro de 2010

Manoel N. Silva


O meu quintal!


Meu quintal é Mágico, não no sentido tradicional dessa palavra, mas, pela diversidade que nele existe, pela sua capacidade de abrigar, em tão pouco espaço, tantas espécies de plantas e pequenos animais, além de mim, esse ser estranho que observa tudo...

É um espaço pequeno, medindo cerca de 60 m², no lado direito está uma lavanderia, destas de mármore, com duas bacias, separadas por uma espécie de rampa ondulada, que é onde se esfrega a roupa... Há sobre este espaço uma coberta em telhas de amianto, e em toda extensão do quintal a uma altura aproximada de 2m existem cordões de nylon que servem como varal...

O piso é em cimento bruto, sem acabamento, em toda extensão ao pé do muro, existe um espaço de cerca de dois metros ladeado por uma mureta de 20 cm, em solo natural, que é onde estão as plantas, minha pequena floresta...minha horta e meu pomar

As águas da chuva que se acumulam, nos minúsculos lagos do cimento sem acabamento, produziram uma camada esverdeada de algas, principalmente na mureta que rodeia o “jardim”. Objetos diversos, um carrinho de mão, enxada, pá, vassouras e um monte de bugigangas, que estão armazenadas, coisas que podem um dia servir para algo, ou nunca serem utilizadas... Estas estão dentro de um pequeno quarto sem portas de cerca de 3 m², uma pequena dispensa de utilidades inúteis.

Existe nele, um mamoeiro, pés de pepinos, alguns pés de quiabos, crótons, gengibre, alfavaca, hortelã, babosa, “capim santo”, erva cidreira, erva-doce e uma infinidade de plantinhas silvestres que nascem aleatoriamente em qualquer local...

Durante todo o dia, uma grande diversidade de pequenos animais, fazem do meu quintal um estranho mundo a parte..logo pela manhã, pássaros urbanos(pardais, lavadeiras, rolinhas) passeiam pelo tapete de algas em busca de insetos e sementes, restos de comida, migalhas que naturalmente se acumulam no quintal. Enquanto isso pequenos lagartos, moradores constantes, passeiam se deliciando com formigas, e claro, as migalhas, pois para eles é bem mais cômodo do que caçar pequenos insetos...

O sol vai iluminado as reentrâncias das plantas e nelas vão surgindo, aranhas, besouros, libélulas começam a “beber” o orvalho que se acumula nas folhas do mamoeiros e em pequenas poças pelo cimento irregular. Borboletas, grilos, louva-deuses... O meu quintal parece fervilhar de existência. A vida é tão presente e diversa que chega a incomodar, sufocar, com sua presença maciça, ela parece querer mostrar que está ali, mesmo que contra todas as adversidades impostas pela natureza e pelo homem, ela sobrevive, adapta-se, insiste, teima em continuar existindo...!

Costumo dizer que ele é um universo em miniatura, o meu mundo particular. Nele aos sábados à tarde, coloco uma cadeira, abro uma garrafa de vinho, coloco música no “microsistem”, e mergulho nele, esse mundo, onde sou senhor, deus determinante da vida, do bem e do mal. sou capaz de esmagar uma formiga sem razão, privar um lagarto de sua comida, destruir a fauna e a flora do meu mundo, apenas ao sabor do meu humor... posso expulsar os pardais, destruir as tarântulas que esporadicamente aparecem, simplesmente por que são feias, cabeludas, assustam minha esposa...então eu pego álcool e jogo nela risco o fósforo e ela vira uma bola de fogo azulada que corre em zigue-zague frenético, eu quase penso que escuto um gemer, um grito de desespero, um urro de dor...mas eu sou deus do meu quintal, sou justo! Isso é apenas minha imaginação... Aos poucos essa bola azulada vai diminuindo o ritmo, e de repente estanca, as chamas tremulam, cedem, vão diminuindo e eu entrevejo negros garranchos que se contorcem, contraem formando uma pequena bolota negra, disforme e de cheiro similar a cabelos e pele chamuscados...tomo um gole...e pego uma pázinha de lixo, recolho aquele bolo inerte, composto de carvão e cinzas e jogo no cesto do lixo... Já não existe tarântula no meu quintal...

Neste Quintal, neste espaço mágico, eu vejo tudo, a sociedade, a vida! Através do meu quintal eu contemplo a modificação diária que a humanidade sofre. Vidas são sacrificadas, espécies se extinguem, outras se modificam, ganham novos hábitos e se adaptam ao quintal... nada é do mesmo jeito...a todo instante o meu quintal muda...a cada sábado à tarde, eu me deparo com um novo mundo, um novo universo, apenas algumas velhas e gordas “lagartixas”, que praticamente se domesticaram e eu,parecem iguais! Elas, já não saberiam viver longe deste quintal, já perderam o instinto, o medo do ser humano, não sabem mais caçar... estariam liquidadas em poucos dias...lá fora no mundo real !!!

Bem, eu me sinto onipotente, uma sensação de poder inimaginável e ao mesmo tempo uma solidão, um vazio tão grande quanto a onipotência que me foi conferida neste universo mágico. Eu tenho todo o controle sobre esse universo, eu posso tudo neste mundo, posso aniquilar desde o simples “lodo” até a maior árvore que existe nele, eu posso de uma hora para outra decretar o fim de toda vida neste pequeno universo. Posso limpar tudo, não sobrará uma erva, uma formiga.... Mas esse pensamento, essa consciência deste poder me congela por dentro! Me aterroriza, eu entro em pânico!

Entre vinho e som, entre lucidez e embriaguez eu questiono o meu poder sobre as vidas deste quintal... Que direito eu tenho de decidir sobre tantas vidas, são milhares, milhões, bilhões se for contar com micróbios e bactérias... Eu olho ao redor e me encolho na cadeira, sinto frio, um arrepio me passa em todo o ser e é como se me arrepiasse por dentro... Eu fecho meus olhos, sinto rodar o mundo, parece que sinto o movimento de rotação da terra ou que sou eu a terra e que giro em torno do meu eixo... Essa sensação de unidade, de onisciência, de onipresença, de integração me apavora! É como se eu sentisse pulsar em mim cada ser, cada minúscula vida que existe neste universo, do qual me faço o centro, e agora, mesmo depois de aberto os olhos, depois de mais um gole, ainda me sinto espalhar pelo quintal... Sinto que estou em cada minúsculo furo, nas frestas dos tijolos, nas folhas das plantas, escorro entre a areia, penetro entre os grãos..sou tudo..sinto tudo!!


Meu corpo se dissolve, ele já não existe como corpo é apenas uma idéia na minha mente... Já não existo como forma, eu sou todas as formas eu faço todas as formas, eu tenho todas as formas em mim! Minha consciência se dissolve também, ela se espalha, perde consistência, são tantos pensamentos diferentes, tantos sons, tantas cores, visões oníricas, perspectivas nunca dantes imaginadas, por minha mente... eu vejo de todos os ângulos, em todas as direções e ao mesmo tempo, nada me escapa a visão, eu sou todo sentidos e a sensibilidade é infinita, eu sinto, todos os cheiros, escuto todos os sons, vejo todas as cores..eu sou a consciência de tudo, eu tenho a consciência de tudo... eu já não sou o senhor do meu quintal...eu sou meu quintal!!

Manoel N. Silva


:) Beijos

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