Blog da Galatéia

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... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos

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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Lya Luft


Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.

Lya Luft

Beijokas :)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

André Comté-Sponville


O sábio, que renunciou ao sentido e ao eu, ama o real,
aceita-o e contenta-se com ele. Libertado de si, curado
do medo e da esperança, despreocupado com os signos
e o sentido, só habita o tempo na paz aqui, agora e
sempre, da presença. Não aguarda nada, mas é atento.
Não busca nada, mas é disponível. Não espera nada,
mas ama. Todos os sábios disseram, em todas as línguas:
"Infinite love, infinite patience". Sabedoria, não de
recolhimento, mas de acolhida. O sábio tem o tempo
(já que não aguarda nada) e todo o tempo
(já que não há outro). Paciência, não da espera, mas da
vida, não para o futuro, mas para o presente.
Os ocupados se precipitam para o que lhes falta, ou
aguardam (pacientemente, dizem eles!) que lhes caia
dos céus. O sábio faz, tranqüilamente, o que tem a fazer.
Não aguarda nada, e é por isso que não tem impaciência.
Nada lhe falta, e é por isso que não se precipita.
Lentidão do tempo, lentidão da presença...
Todos os dias são hoje, é "o oitavo dia da semana, que
não começa e não se esgota em nenhum tempo",
e essa presença é exatamente aquilo a que o sábio está
presente. Ele ainda vive no tempo? Claro, mas na verdade
do tempo. Presente ao presente da presença, ele é aqui
e agora, contemporâneo do eterno.


André Comté-Sponville


Copiei o texto da comunidade Navegando o Pensamento de Yedra Ardey

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pessoa


Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa

Bom feriado! :)

terça-feira, 20 de abril de 2010

O poeta dos escravos - Castro Alves


O Laço de Fita

Não sabes crianças? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.

Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.
Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,

Formoso enroscava-se
O laço de fita.
Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro

Num laço de fita.
E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.
Há pouco voavas na célere valsa,

Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...

Teu laço de fita.
Mas ai! findo o baile, despindo os adornos

N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!

Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.


Lindo esse poema... beijokas :)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Nuno Júdice



A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.

Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"


Beijooss :)