Blog da Galatéia

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... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos

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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz Ano Novo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Que venha 2011!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Desejo a todos um ano de muita paz, saúde, amor, sorte......... e muita harmonia!!!!

******************************beijokas azuis*********************************

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Clarice Lispector - Travessuras de uma menina - IIl


Continuando a noveleta - Travessuras de menina III -

Eu estava no fim da composição e o cheiro das sombras escondidas já me chamava. Apressei-me. Como eu só sabia "usar minhas próprias palavras", escrever era simples. Apressava-me também o desejo de ser a primeira a atravessar a sala - o professor terminara por me isolar em quarentena na última carteira - e entregar-lhe insolente a composição, demonstrando-lhe assim minha rapidez, qualidade que me parecia essencial para se viver e que, eu tinha certeza, o professor só podia admirar.
Entreguei-lhe o caderno e ele o recebeu sem ao menos me olhar. Melindrada, sem um elogio pela minha velocidade, saí pulando para o grande parque.
A história que eu transcrevera em minhas próprias palavras era igual à que ele contara. Só que naquela época eu estava começando a "tirar a moral das histórias", o que, se me santificava, mais tarde ameaçaria sufocar-me em rigidez. Com alguma faceirice,pois havia acrescentado as frases finais. Frases que horas depois eu lia e relia para ver o que nelas haveria de tão poderoso a ponto de enfim ter provocado o homem de um modo como eu própria não conseguiria até então. Provavelmente o que o professor quisera deixar implícito na sua história triste é que o trabalho árduo era o único modo de se chegar a ter fortuna. Mas levianamente eu concluíra pela moral oposta: alguma coisa sobre o tesouro que se disfarça, que está onde menos se espera, que é só descobrir, acho que falei em sujos quintais de tesouros. Já não me lembro, não sei se foi exatamente isso.Não consigo imaginar com que palavras de criança teria eu exposto um sentimento simples mas que se torna pensamento complicado. Supondo que, arbitrariamente contrariando o sentido real da história, eu de algum modo já prometia por escrito que o ócio, mais que o trabalho, me daria as grandes recompensas gratuítas, as únicas a que eu aspirava. É possível também que já então meu tema de vida fosse a irrazoável esperança, e que eu já tivesse iniciado a minha grande obstinação: eu daria tudo o que era meu por nada, mas queria que tudo me fosse dado por nada. Ao contrário do trabalhador da história, na composição eu sacudia dos ombros todos os deveres e dela saía livre e pobre, e com um tesouro na mão.
Fui para o recreio, onde fiquei sozinha, com o prêmio inútil de ter sido a primeira, ciscando a terra, esperando impaciente pelos meninos que pouco a pouco começaram a surgir da sala.
No meio das violentas brincadeiras resolvi buscar em minha carteira não me lembro o quê, para mostrar ao caseiro do parque, meu amigo e protetor. Toda molhada de suor, vermelha de uma felicidade irrepresável que se fosse em casa me valeira uns tapas - voei em direção à sala de aula, atravessei-a correndo, e tão estabanada que não ví o professor a folhear cadernos empilhados sobre a mesa. Já tendo na mão a coisa que eu fora buscar e iniciando outra corrida de volta - só então meu olhar tropeçou no homem.
Sozinho à cátedra: ele me olhava.
Era a primeira vez que estavamos frente a frente, por nossa conta. Ele me olhava. Meus passos, de vagarosos, quase cessaram.
Pela primeira vez eu estava só com ele, sem o apoio cochichado da classe, sem a admiração que minha afoiteza provocava. Tentei sorrir, sentindo que o sangue me sumia do rosto. Uma gota de suor correu-me pela testa. Ele me olhava. O olhar era uma pata macia e pesada sobre mim. Mas se a pata era suave, tolhia-me toda como a de um gato que sem pressa prende o rabo do rato. A gota de suor foi descendo pelo nariz e pela boca, dividindo ao meio o meu sorriso. Apenas isso: sem uma expressão no olhar, ele me olhava. Comecei a costear a parede de olhos baixos, prendendo-me toda a meu sorriso, único traço de um rosto que já perdera os contornos. Nunca havia percebido como era comprida a sala de aula; só agora, ao lento passo do medo, eu via o seu tamanho real. Nem a minha falta de tempo me deixara perceber até então como eram austeras e altas as paredes; e duras, eu sentia a parede dura na palma da mão. Num pesadelo, do qual sorrir fazia parte, eu mal acreditava poder alcançar o âmbito da porta - de onde eu correria, ah, como correria! a me refugiar no meio de meus iguais, as crianças. Além de concentrar no sorriso, meu zelo minucioso era o de não fazer barulho com os pés, e assim eu aderia à natureza íntima de um perigo do qual tudo o mais eu desconhecia. Foi num arrepio que me adivinhei de repende como num espelho: uma coisa úmida se encostando à parede, avançando devagar nas pontas dos pés, e com um sorriso cada vez mais intenso. Meu sorriso cristalizara a sala em silêncio, e mesmo os ruídos que vinham do parque escorriam pelo lado de fora do silêncio. Cheguei finalmente à porta, e o coração imprudente pôs-se a bater alto demais sob o risco de acordar o gigantesco mundo que dormia.
Foi quando ouvi meu nome.
De súbito pregada no chão, com a boca seca, ali fiquei de costas para ele sem coragem de me voltar. A brisa que vinha pela porta acabou de secar o suor do corpo. Virei-me devagar, contendo dentro dos punhos cerrados o impulso de correr.

continua...

*******************************beijokas******************************************

Vídeo - Pollock

Décimo segundo vídeo da série.


Pollock - por Byron

*****************************Beijokas azuis *************************************

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FELIZ NATALLL


Paradinha na correria para desejar um feliz natal a todos!

Que a harmonia invada nossas vidas e faça morada em nossos corações!

Muitos beijooss natalinos a todos!!!!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Vídeo - Piet Mondrian - por Flâneur

Uma pausa na noveleta de Clarice para postar o décimo primeiro vídeo da Galeria Azul de Artes Plásticas da Comunidade Navegando o Pensamento.

Vamos lá. ;)




************************************beijooss***************************************

sábado, 18 de dezembro de 2010

Clarice Lispector - Travessuras de uma menina - II


Travessuras de uma menina - II - Noveleta

Aprender eu não aprendia naquelas aulas. O jogo de torná-lo infeliz já ,e tomara demais. Suportand com desenvolta amargura as minhas pernas compridas e os sapatos sempre cambaios, humilhada por não ser uma flor e, sobretudo, torturada por uma infância enorme que eu temia nunca chegar a um fim - mais infeliz eu o tornava e sacudia com altivez a mnha única riqueza: os cabelos escorridos que eu planejava ficarem um dia bonitos com permanente e que por conta do futuro eu já exercitava sacudindo-os. Estudar eu não estudava, confiava na minha vadiação sempre bem- sucedida e que também ela, o professor tomava como mais uma provocação de menina odiosa. Nisso ele não tinha razão.A verdade é que não sobrava tempo para estudar. As alegrias me ocupavam, ficar atenta me tomava dias e dias; havia livros de história que eu lia roendo de paixão as unhas até o sabugo, nos meus primeiros êxtases de tristezas, refinamento que eu já descobrira; havia meninos que eu escolhera e que não me haviam escolhido, eu perdia horas de sofrimento porque eles eram inatingíveis, e mais outras horas de sofrimento aceitando-os com ternura, pois o homem era meu rei da Criação; havia a esperançosa ameaça do pecado, eu me ocupava com medo em esperar; sem falar que estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Não, não era para irritar o professor que eu não estudava; só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo: as pernas não combinavam com os olhos, e a boca era emocionada enquanto as mãos se esgalhavam sujas - na minha pressa eu crescia sem saber para onde. O fato de um retrato da época me revelar, a contrário uma menina bem plantada, selvagem e suave, com lhos pensativos embaixo da franja pesada, esse retrato real não me desmente, só faz é revelar uma fantasmagórica estranha que eu não compreenderia se fosse a sua mãe. Só muito depois, tendo finalmente me organizado em corpo e sentindo-me fundamentakmente mais garantida, pude me aventurar e estudar um pouco; antes, porém, eu não podia me arriscar a aprender, não queria me disturbar - tomava intuitivo cuidado com o que eu era, já que eu não sabia o que era, e com vaidade cultivava a integridade da ignorância. Foi pena o professor não ter chegado a ver aquilo em que quatro anos depois inesperadamente eu me tornaria: aos 13 anos, de mãos limpas, banho tomado, toda composta e bonitinha, ele me teria visto como um cromo de Natal à varanda de um sobrado. Mas, em vez dele, passara embaixo um ex-amiguinho meu, gritara alto o meu nome, sem perceber que eu já não era mais um moleque e sim uma jovem digna cujo nome não pode mais ser berrado pelas calçadas de uma cidade. "Que é?" indaguei do intruso com a maior frieza. Recebi então como resposta gritada a notícia de que o professor morrera naquela madrugada. E branca, de olhos muito abertos, eu olhara a rua vertiginosa a meus pés. Minha compostura quebrada como a de uma boneca partida.

Voltando a quatro anos atrás. Foi talvez por tudo o que contei, misturado e em conjunto, que escrevi a composição que o professor mandara, ponto de desenlace dessa história e começo de outras, ou foi apenas por pressa de acabar de qualquer modo o dever para poder brincar no parque.

- Vou contar uma história, disse ele, e vocês façam a composição. Mas usando as palavras de vocês. Quem for acabando não precisa esperar pela sineta, já pode ir para o recreio.

O que ele contou: um homem muito pobre sonhara que descobrira um tesouro e ficara muito rico; acordando, arrumara sua trouxa, saíra em busca do tesouro; andara o mundo interio e continuava sem achar o tesouro; cansado, voltara para a sua pobre, pobre casinha; e como não tinha o que comer começara a plantar no seu quintal; tanto plantara, tanto colhera, tanto começara a vender que terminara ficando muito rico.

Ouvi com ar de desprezo, ostensivamente brincando com o lápis, como se quisesse deixar claro que suas histórias não me ludibriavam e que eu bem sabia quem ele era. Ele contara sem olhar uma só vez para mim. É que na falta de jeito de amá-lo e no gosto de persegui-lo, eu também o acossava com o olhar: a tudo o que ele dizia eu respondia com um simples olhar direto, do qual ninguém em sã consciência poderia me acusar. Era um olhar que eu tornava bem límpido e angélico, muito aberto, como o da candidez olhando o crime. E conseguia sempre o mesmo resultado: com pertubação ele evitava meus olhos, começando a gaguejar. O que me enchia de um poder que me amaldiçoava. E de piedade. O que por sua vez me irritava. Irritava-mew que ele obrigasse uma porcaria de criança a compreender um homem.

Eram quase dez horas da manhã, em breve soaria a sineta do recreio. Aquele meu colégio, alugado dentro de um dos parques da cidade, tinha o maior campo de recreio que já vi. Era tão bonito para mim como seria para um esquilo ou um cavalo. Tinha árvores espalhadas, longas descidas e subidas e estendida relva. Não acabava nunca. Tudo ali era longe e grande, feito para pernas compridas de menina, com lugar para montes de tijolo e madeira de origem ignorada, para moitas de azedas begônias que nós comíamos, para sol e sombras onde abelhas faziam mel. Lá cabia um ar livre imenso. E tudo fora vivido por nós: já tínhamos rolado de cada declive, iintensamente cochichado atrás de cada monte de tijolo, comido de várias flores e em todos os troncos havíamos, a canivete, gravado datas, doces nomes feios e corações transpassados por flechas; meninos e meninas ali faziam seu mel.

Travessuras de uma menina II - Clarice Lispector

continua...

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Noveleta- continuação


Travessuras de uma menina (Clarice Lispector)

...

Cada dia renovava-se a mesquinha luta que eu encetara pela salvação daquele homem. Eu queria o seu bem, e em resposta ele me odiava. Contundida, eu me tornara o seu demônio e tormento, símbolo do inferno que devia ser para ele ensinar aquela turma risonha de desinteressados. Tornara-se um prazer já terrível o de não deixá-lo em paz. O jogo, como sempre, me fascinava, sem saber que eu obedecia a velha tradições, mas com uma sabedoria com que os ruins já nascem - aqueles ruins que roem as unhas de espanto - sem saber que obedecia a uma das coisas que mais acontecem no mundo, eu estava sendo a prostituta e ele o santo.Não, talvez naão seja isso. As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tmo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar - uma palavra mais verdadeira poderia de eco em eco fazer desabar pelo despenhadeiro as minhas latas geleiras. Assim, pois, não falarei mais no sorvedouro que havia em mim enquanto eu devaneava antes de adormecer. Senão, eu mesma terminarei pensando que era apenas essa macia voragem o que me impelia para ele esquecendo minha desesperada abnegação. Eu me tornara a sua sedutora, dever que ninguém me impusera. Era de se lamentar que tivesse caído em minhas mãos erradas a tarefa de salvá-lo pela tentação, pois de todos os adultos e crianças daquele tempo eu era provavelmete a menos indicada."Essa não é flor que se cheire", como dizia nossa empregada. Mas era como se, sozinha com um alpinista paralisado pelo terror do precipício, eu, por mais inábil que fosse, não pudesse senão tentar ajudá-lo a descer.O professor tivera a falta de sorte de ter sido logo a mais imprudente quem ficara sozinha com ele nos meus ermos. Por mais arriscado que fosse o meu lado, eu era obrigada a arrastá-lo para meu lado, pois o dele era mortal. Era o que eu fazia, como uma criança importuna puxa um grande pela aba do paletó. Ele não olhava para trás, não perguntava o que eu queria, e livrava-se de mim com um safanão. Eu continuava a puxá-lo pelo paletó, meu único instrumento era a insistência. E disso tudo ele só percebia que eu lhe rasgava os bolsos. É verdade que nem eu mesma sabia ao certo o que fazia, minha vida com o professor era invisível. Mas eu sentia que meu papel era ruim e perigoso; impelia-me a voracidade por uma vida real que tardava, e pior que inábil eu também tinha gosto em lhe rasgar os bolsos. Só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para quê. Eu me deixava, pois, ser atéria d'Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade. E a fonte de um nascente misticismo. Não misticismo por ele, mas pela matéria d'Ele, mas pela vida crua e cheia de prazeres: eu era uma adoradora. Acaeitava a vastidão do que eu não conhecia e a ela me confiava toda, com segredoss de confissionário. Seria para as escuridões da ignorância que eu seduzia o professor? e com o ardor de uma freira na cela. Freira alegre e monstruosa, ai de mim. E nem disso eu poderia me vangloriar: na classe todos nós éramos igualmente monstruosos e suaves, ávida matéria de Deus.

Mas se me comoviam seus gordos ombros contraídos e seus paletozinhos apertados, minhas gargalhadas só conseguiam fazer com que ele fingindo a que custo me esquecer, mais contraído ficasse de tanto autocontrole. A antipatia que esse homem sentia por mim era tão forte que eu me detestava. Até que meus risos foram definitivamente substituindo minha delicadeza impossível.

C.L.
continua...

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Noveleta - Clarice Lispector -


Travessuras de uma menina

Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão, e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele.

O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em vez de nó na garganta, tinha ombros contraídos. Usava paletó curto demais, óculos sem aro, com fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E eu era atraída por ele. Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os colegas, interrrompia a lição com piadinhas até que ele dizia vermelho:

- Cale-se ou expulso a senhora da sala.

Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele não mandava senão estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara doloroso para mim ser objeto do ódio daquele homem que de certo modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que tenta desastradamente proteger um adulto, com a cólera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão curvos. Ele me irritava. De noite, antes de dormir, ele me irritava. Eu tinha nove anos e pouco, dura idade como o talo não quebrado de uma begônia. Eu o espicaçava, e ao conseguir exacerbá-lo sentia na boca, em glória de martírio, a acidez insuportável da begônia quando é esmagada entre os dentes, e roía as unhas, exultante. De manhã ao atravessar os portões da escola, pura como ia com meu café com leite e cara lavada, era um choque deparar em carne e osso com o homem que me fizera devanear por um abismal minuto antes de dormir. Em sperfície de tempo fora um minuto apenas, mas em profundidade eramvelhos séculos de escuríssima doçura. De manhã - como se eu não tivesse contado com a existência real daquele que desencadeara meus negros sonhos de amor - de manhã, diante do homem grande com seu paletó curto, em choque eu era jogada na vergonha, na perplexidade e na assustadora esperança. A esperança era meu pecado maior.

Noveleta- Travessuras de uma menina - Clarice Lispector -continua-


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Loguinho vou postando a continuação dessa noveleta. :)
*****************************Beijokas**********************************************

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Clarice - A paixão Segundo G.H - trecho


()..."E ao quinto tambor já estarei inconsciente na minha cobiça. Até que de madrugada, aos últimos tambores levíssimos, me encontrarei sem saber como junto a um regato, sem jamais saber o que fiz, ao lado da enorme e cansada cabeça do cavalo.

Cansada de quê? Que fizemos nós, os que trotam no inferno da alegria? Há dois séculos que não vou. Da última vez que desci da sela enfeitada, era tão grande a minha tristeza humana que jurei que nunca mais. O trote porém continua em mim. Converso, arrumo a casa, sorrio, mas sei que o trote está em mim. Sinto falta como quem morre. Não posso mais deixar de ir.

E sei que de noite, quando ele me chamar, irei. Quero que ainda uma vez o cavalo conduza o meu pensamento. Foi com ele que aprendi. Se é pensamento esta hora entre latidos. Os cães latem, começo a entristecer porque sei, com o olho já resplandecendo, que irei. Quando de noite ele me chama para o inferno, eu vou. Desço como um gato pelos telhados. Ninguém sabe, ninguém vê. Apresento-me no escuro, muda e em fulgor. Correm atrás de nós cinqüenta e três flautas. À nossa frente uma clarineta nos alumia. E nada mais me é dado saber.

De madrugada eu nos verei exaustos junto ao regato, sem saber que crimes cometemos até chegar a madrugada. Na minha boca e nas suas patas a marca do sangue. O que imolamos? De madrugada estarei de pé ao lado do ginete mudo, com os primeiros sinos de uma Igreja escorrendo pelo regato, com o resto das flautas ainda escorrendo dos cabelos.

A noite é a minha vida, entardece, a noite feliz é a minha vida triste - rouba, rouba de mim o ginete porque de roubo em roubo até a madrugada eu já roubei, e dela fiz um pressentimento: rouba depressa o ginete enquanto é tempo, enquanto ainda não entardece, se é que ainda há tempo, pois ao roubar o ginete tive que matar o Rei, e ao assassiná-lo roubei a morte do Rei. E a alegria do assassinato me consome em prazer.

Eu estava comendo a mim mesma, que também sou matéria viva do sabath. ...()"

A Paixão Segundo G.H. - Clarice Lispector

**************************beijokas**************************************

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Clarice - Aprendendo a viver


Lúcida em excesso

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.

Clarice Lispector

*******************************beijos*********************************************

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Clarice - Aprendendo a viver


A descoberta do amor

“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”

Aprendendo a viver, Clarice Lispector

*************************************Beijokas**************************************

Um "bate papo" prá gente!


Agora temos um bate papo!

Quando quiser deixar recado, falar alguma coisa, conversar é só clicar no link que aparece logo no começo do blog, junto ao recadinho de boas vindas!
Quer papear um pouquinho?

Beijokas






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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Renoir - vídeo

O décimo vídeo da Galeria Azul de Artes Plásticas.

Renoir!!!

Apresentação de Pandora. Vídeo by eu mesma. rs

Eu amei!


domingo, 12 de dezembro de 2010

Clarice Lispector - A hora da estrela - trechos


“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei a escrever. (...) Pensar é um ato. Sentir é um fato.”


“Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás - descubro eu agora - também não faço a menor falta, e até o que eu escrevo um outro escreveria. Um outro escritor sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.”

“Escrevo neste instante com prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela - e é claro que a história é verdadeira embora inventada - que cada um reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espíirito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa do que ouro - existe a quem falte o delicado essencial.

Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora seja obrigado a usar as palavras que vos sustentam. A história - determino com falso livre arbítrio - vai ter uns sete personagens e eu sou um dos mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S. M. Relato antigo, este, pois não quero ser modernoso e inventar modismos à guisa de originalidade. Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e chuva caindo.”


“Verifico que escrevo de ouvido assim como aprendi inglês e francês de ouvido. Antecedentes meus do escrever? Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo um desonesto. (...) Que mais? Sim, não tenho classe social, marginalizado que sou. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim.”

“... dormia de combinação de brim, com manchas bastante suspeitas de sangue pálido (...) Dormia de boca aberta por causa do nariz entupido.

Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou as manchas do rosto. Em Alagoas chamavam-se ‘panos’, diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento.

Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio.

Assoava o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela.”


“Por enquanto Macabéa não passava de um vago sentimento nos paralelepípedos sujos. (...)
Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou o corpo em posição fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada. Era uma maldita e não sabia. (...)”


“Então - ali deitada - teve uma úmida felicidade suprema, pois ela nascera para o abraço da morte.

(...) E havia certa sensualidade no modo como se encolhera. Ou é como a pré-morte se parece com a intensa ânsia sensual?

É que o rosto dela lembrava um esgar de desejo. (...)

Se iria morrer, na morte passava de virgem a mulher. Não, não era morte pois não a quero para a moça: só um atropelamento que não significava sequer um desastre. Seu esforço de viver parecia uma coisa que se nunca experimentara, virgem que era , ao menos intuíra, pois só agora entendia que mulher nasce mulher desde o primeiro vagido. O destino de uma mulher é ser mulher. Intuíra o instante quase dolorido e esfuziante do desmaio do amor. Sim, doloroso reflorescimento tão difícil que ela empregava nele o corpo e a outra coisa que vós chamais de alma. (...)

Nesta hora exata, Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.

O que é que eu estou vendo agora é e que me assusta? Vejo que ela vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando no âmago: vitória!”

Sua boca, agora, vermelha como a de Marylin Monroe, no apogeu orgásmico da morte, grita, pela primeira vez, depois de vomitar, à vida:

“E então - então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida.”


“(...) O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc. , etc., etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada.

Eu vos pergunto: - Qual é o peso da luz?

E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!

Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.

Sim.



**********************Beijokas***************************************

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Choveu um rio!


Toda vez que chove eu ganho um rio. Sento na cadeira da varanda e fico pensando na força dessa água. Um rio que começa nas nuvens e só aparece quando tem vontade. Um rio sem peixes. Lava o mundo e vai embora.

by Galatéia


*******************************beijos*******************************************

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Lispector


Sem menina dentro de mim


“Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente - como em dores de parto - e vi que a menina em mim estava morrendo. Nunca esquecerei esse domingo. Para cicatrizar levou dias. E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heróica. Sem menina dentro de mim.”

Clarice Lispector

Clarice


Faz de conta que ela era uma princesa azul pelo crepúsculo que viria, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que sangue escarlate não estava em silêncio branco escorrendo e que ela não estivesse pálida de morte, estava pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz-de-conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz-de-conta verde cintilante de olhos que vêem, faz de conta que ela amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de marinheiros que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos da gratidão mais límpida, faz de conta que tudo o que tinha não era de faz-de-conta, faz de conta que se descontraíra o peito e a luz dourada a guiava pela floresta de açudes e tranqüilidade, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando.

Clarice Lispector - A descoberta do mundo

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