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- ... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Noveleta - Clarice Lispector -
Travessuras de uma menina
Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão, e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele.
O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em vez de nó na garganta, tinha ombros contraídos. Usava paletó curto demais, óculos sem aro, com fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E eu era atraída por ele. Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os colegas, interrrompia a lição com piadinhas até que ele dizia vermelho:
- Cale-se ou expulso a senhora da sala.
Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele não mandava senão estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara doloroso para mim ser objeto do ódio daquele homem que de certo modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que tenta desastradamente proteger um adulto, com a cólera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão curvos. Ele me irritava. De noite, antes de dormir, ele me irritava. Eu tinha nove anos e pouco, dura idade como o talo não quebrado de uma begônia. Eu o espicaçava, e ao conseguir exacerbá-lo sentia na boca, em glória de martírio, a acidez insuportável da begônia quando é esmagada entre os dentes, e roía as unhas, exultante. De manhã ao atravessar os portões da escola, pura como ia com meu café com leite e cara lavada, era um choque deparar em carne e osso com o homem que me fizera devanear por um abismal minuto antes de dormir. Em sperfície de tempo fora um minuto apenas, mas em profundidade eramvelhos séculos de escuríssima doçura. De manhã - como se eu não tivesse contado com a existência real daquele que desencadeara meus negros sonhos de amor - de manhã, diante do homem grande com seu paletó curto, em choque eu era jogada na vergonha, na perplexidade e na assustadora esperança. A esperança era meu pecado maior.
Noveleta- Travessuras de uma menina - Clarice Lispector -continua-
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Loguinho vou postando a continuação dessa noveleta. :)
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