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... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos

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sábado, 1 de janeiro de 2011

Noveleta - Travessuras de uma menina - Lispector


continuando a noveleta... Travessuras de uma menina

Ao som de meu nme a sala se dsipnotizara.
E bem devagar vi o professor todo inteiro. Bem devagar vi que o professor era muito grande e feio, e que ele era o homem da minha vida. O novo e grande medo. Pequena, sonâmbula, sozinha, diante daquilo a que era a minha fatal liberdade finalmente me levara. Meu sorriso, tudo o que sobrava de um rosto, também se apagara. Eu era dois pés endurecidos no chão e um coração que de tão vazio parecia morrer de sede. Ali fiquei, fora do alcance do homem. Meu coração morria de sede, sim. Meu coração morria de sede.
Calmo como antes de friamente matar ele disse:
-Chegue mais perto.
Como é que um homem se vingava?
Eu ia receber de volta em pleno rosto a bola do mundo que eu mesma lhe jogara e que nem por isso me era conhecida. Ia receber de volta uma realidade que não teria existido se eu não a tivesse temerariamente adivinhado e assim lhe dado vida. Até que ponto aquele homem monte de compacta tristeza era também monte de fúria? Mas meu passado era agora tarde demais. Um arrependimento estóico manteve erecta a minha cabeça. Pela prmeira vez a ignorância, que até então fora o meu grande guia, desemparava-me. Eu era o único eu.
- ...Pegue o seu caderno... acrescentou ele.
A surpresa me fez subitamente olhá-lo. Era só isso, então!? O alívio inesperado foi quase mais chocante que o meu susto anterior. Avancei um passo, estendi a mão gaguejante.
Mas o professor ficou imóvel e não entregou o caderno.
Para a minha subita tortura, sem me desfitar, foi tirando lentamente os óculos. E olhou-me com olhos nus que tinham muitos cílios. Eu nunca tinha visto seus olhos que, com as inúmeras pestanas, pareciam duas baratas doces. Ele me olhava. E eu não soube como existir na frente de um homem. Disfarcei olhando o teto, o chão, as paredes, e mantinha a mão ainda estendida porque não sabia como recolhê-la. Ele me olhava manso, curioso, com os olhos despenteados como se tivesse acordado. Iria ele me amassar com a mão inesperada? Ou exigir que eu me ajoelhasse e pedisse perdão? Meu fio de esperança era que ele não soubesse o que eu tinha feito, assim como eu mesma já não sabia, na verdade eu nunca soubera.
- Como é que lhe veio a idéia do tesouro que se disfarça?
- Que tesouro? - murmurei atoleimada.
- Ah, o tesouro! precipitei-me de repente mesmo sem entender, ansiosa por admitir qualquer falta, implorando-lhe que meu castigo consistisse apenas em sofrer para sempre de culpa, que a tortura eterna fosse a minha punição, mas nunca essa vida desconhecida.
- O tesouro que está escondido onde menos se espera. Que é só descobrir. Quem lhe disse isso?
O homem enlouqueceu, pensei, pois que tinha a ver o tesouro com aquilo tudo? Atônita, sem compreender, e caminhando de inesperado a inesperado, pressenti no entanto um terreno menos perigoso. Nas minhas corridas eu aprendera a me levantar das quedas mesmo quando mancava, e me refiz logo: "Foi a composição do tesouro! esse então deve ter sido meu erro!" Fraca, e embora pisando cuidadosa na nova e escorregadia segurança, eu no entanto já me levantara o bastante da minha queda para poder sacudir, numa imitação da antiga arrogância, a futura cabeleira ondulada:
- Ninguém, ora... respondi mancando. Eu mesma inventei, disse trêmula, mas já recomeçando a cintilar.
Se eu ficara aliviada por ter alguma coisa enfim concreta com que lidar, começava no entanto a me dar conta de algo muito pior. A súbita falata de raiva nele. Olhei-o intrigada, de viés. E aos poucos desconfiadíssima. Sua falata de raiva começara a me amedrontar, tinha ameaças novas que eu não compreendia. Aquele olhar que não me desfitava - e sem cólera... perplexa, e a troco de nada, eu perdia meu inimigo e sustento. Olhei-o surpreendida. Que é que ele queria de mim? Ele me constrangia. E seu olhar sem raiva passara a me importunar mais do que a brutalidade que eu temera. Um medo pequeno, todo frio e suado, foi me tomando. Devagar, para ele não perceber, recuei as costas até encontrar atrás dela a parede, e depois a cabeça recuou até não ter mais para onde ir. Daquela parede onde eu me engastara toda furtivamente olhei-o.
E meu estômago se encheu de uma água de náusea. Não sei contar.

continua...


******************Beijokas novinhas prá combinar com o ano novinho****************

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