Blog da Galatéia

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... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos

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sábado, 29 de janeiro de 2011

Uma música - Maria Gadú




A história de Lili Braun

Maria Gadú

Composição: Chico Buarque / Edu Lobo

Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz

E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou

Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilingüindo toda
Ao som do blues
Abusou do scoth
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris

E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê
Como amar esposa
Disse que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz

Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz


Adoro!

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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

frasqueira - Bruna Beber


frasqueira
bruna beber

não me emocionam mais os surtos heróicos

de marina para segurar o que já vai

arranhando as unhas nas paredes do precipício


e deixo cair


os espasmos de saudade que marina sente

do que perdeu porque não cuidou

não me emocionam mais


ah, a juventude, a de marina segue relapsa

fazendo de conta como nos livros infantis

e aquela fantasia não me emociona mais


uma pena


meu coração parou de bater

na tecla que marina chama de destino

e agora o que marina chama de amor

eu não atendo mais.


*


Achei na net... Amei...


*********************beijokas********************************

sábado, 22 de janeiro de 2011

Aprendendo a viver - Clarice Lispector


Ideal de vida

“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.”

Clarice Lispector


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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Aprendendo a viver - trecho


A descoberta do amor

“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”


Clarice Lispector

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domingo, 16 de janeiro de 2011

Diálogo do desconhecido - Clarice Lispector


-Posso dizer tudo?

-Pode.

Você compreenderia?

-Compreenderia. Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei - por ser um campo virgem - está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.

Clarice Lispector - em "A descoberta do mundo"

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Hoje é meu níver! Como diz um amigo, são 47 voltas ao redor do sol! aff... será que estou ficando velhinha??? hahahaha.....

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O dedo de Deus - Galatéia

Vista da cidade de Teresópolis do alto do Pico do Dedo de deus
O dedo de Deus
A tragédia
Como ficou
...antes era assim....

Quando a morte bate à porta é a solidariedade que tenta mandá-la embora.









Sou tão feliz e ando tão triste...

A água que amo tanto é a mesma água que mata. A força da natureza passando por cima das obras dos homens.

O dedo de Deus!

Será????

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A vida oblíqua é muito íntima - Clarice Lispector


A vida oblíqua é muito íntima.

(...)
"Como te explicar? Vou tentar. É que estou percebendo uma realidade enviesada. Vista por um corte oblíquo. Só agora pressenti o oblíquo da vida. Antes só via através de cortes retos e paralelos. Não percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho que a vida é outra. Que viver não é só desenrolar sentimentos grossos - é algo mais sortilégico e mais grácil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. Sobre esta vida insolitamente enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim que a existência feneça no que tem de oblíquo e fortuito e no entanto ao mesmo tempo sutilmente fatal. Compreendi a fatalidade do acaso e não existe nisso contradição.

A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta.

E conheço também um modo de vida que é suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café em um terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.

Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.
Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores em um jarro: uma sabedoria quase inútil. Essa liberdade fugitiva da vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio.

Viver essa vida é mais um lembrar-se indireto dela do que um viver direto. Parece uma convalescença macia de algo que no entanto poderia ter sido absolutamente terrível. Convalescença de um prazer frígido. Só para os iniciados a vida então se torna fragilmente verdadeira. E está-se no instante-já: come-se a fruta na sua vigência. Será que não sei mais do que estou falando e que tudo me escapou sem eu sentir? Sei sim - mas com muito cuidado porque senão por um triz não sei mais. Alimento-me delicadamente do cotidiano trivial e tomo café no terraço no limiar deste crepúsculo que parece doentio apenas porque é doce e sensível.

A vida oblíqua? Bem sei que há um desencontro leve entre as coisas, elas quase se chocam, há desencontro entre os seres que se perdem uns aos outros entre palavras que quase não dizem mais nada. Mas quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela nos assustaria, espaventaria os seus delicados fios de teia de aranha. Nós somos de soslaio para não comprometer o que pressentimos de infinitamente outro nessa vida de que te falo.
E eu vivo de lado - lugar onde a luz central não me cresta. E falo bem baixo para que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir.

Mas conheço também outra vida ainda. Conheço e quero-a e devoro-a truculentamente. É uma vida de violência mágica. É misteriosa e enfeitiçante. Nela as cobras se enlaçam enquanto as estrelas tremem. Gotas de água pingam na obscuridade fosforescente da gruta. Nesse escuro as flores se entrelaçam em jardim feérico e úmido. E eu sou a feiticeira dessa bacanal muda. Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E vejo que sou intrinsecamente má. É apenas por pura bondade que sou boa. Derrotada por mim mesma. Que me levo aos caminhos da salamandra, gênio que governa o fogo e nele vive. E dou-me como oferenda aos mortos. Faço encantações no solstício, espectro de dragão exorcizado."

Água Viva. Clarice Lispector

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domingo, 9 de janeiro de 2011

Vídeo - Kazimir Malevitch

Décimo quarto vídeo da série Galeria Azul de Artes Plásticas: Kazimir Malevitch, apresentação de juan tenorio.



sábado, 8 de janeiro de 2011

Angina Pectoris da Alma - Clarice Lispector


"Só que dessa não se morre. Mas tudo, menos a angústia, não? Quando o mal vem, o peito se torna estreito, e aquele reconhecível cheiro de poeira molhada naquela coisa que antes se chamava alma e agora não é chamada nada. E a falta de esperança na esperança. E coformar-se sem se resignar. Não se confessar a si próprio porque nem se tem mais o quê. Ou se tem e não se pode porque as palavras não viriam. Não ser o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não se está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando da angústia mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai."

Clarice Lispector

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Clarice Lispector - A hora da estrela


(...) "Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em maceió, espocarem mudos fogos de artifício. Ela quis mais porque é mesmo verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo." (...)

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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Noveleta - continuação C.Lispector

Travessuras de uma menina - última parte

E de repente, com o coração batendo de desilusão, não suportei um instante mais - sem ter pegado o caderno corri para o parque, a mão na boca como se me tivesse quebrado os dentes. Com a mão na boca, horrorizada, eu corria, corria para nunca parar, a prece profunda não é aquela que pede, a prece mais profunda é a que não pede mais - eu corria, eu corria muito espantada.
Na minha impureza eu havia depositado a esperança da redenção nos adultos. A necessidade de acreditar na minha bondade futura fazia com que eu venerasse os grandes, que eu fizera à minha imagem, mas a uma imagem de mim enfim purificada pela penitência do crescimento, enfim liberta da alma suja de menina. E tudo isso por ele e por mim. Minha salvação seria impossível, aquele homem também era eu. Meu amargo ídolo que caíra ingenuamente nas artimanhas de uma criança confusa e sem candura, e que se deixara docilmente guiar pela minha diaabólica inocência... com a mão apertando a boca, eu corria pela poeira do parque.
Quando enfim me dei conta de estar bem longe da órbita do professor, sofreei exausta a corrida, e quase a cair encostei-me em todo o meu peso no tronco de uma árvore, respirandoalto, respirando. Ali fiquei ofegante e de olhos fechados, sentindo na boca o amargo empoeirado do tronco, os dedos mecanicamente passando e repassando pelo duro entalhe de um coração com flecha. E de repente, apertando os olhos fechados, gemi entendendo um pouco mais; estaria ele querendo dizer que... que eu era um tesouro disfarçado? O tesouro onde menos se espera... Oh não, não, coitadinho dele, coitado daquele rei da Criação, de tal modo precisara... de quê? de que precisara ele?... que até eu me transformara em tesouro.
Eu ainda tinha muito mais corrida dentro de mim, forcei a garganta seca a recuperar o fôlego, e empurrando com raiva o tronco de árvore recomecei a correr em direção ao fim do mundo.
Mas ainda não divisara o fim sombreado do parque, e meus passos foram se tornando mais vagarosos, excessivamente cansados. Eu não podia mais. Talvez por cansaço, mas eu sucumbia. Eram passos cada vez mais lentos e a folhagem das ásvores se balançava lenta. Eram passos um pouco deslumbrados. Em hesitação fui parando, as árvores rodavam altas. É que uma doçura toda estranha fatigava meu coração. Intimidada, eu hesitava. Estava sozinha na relva, mal em pé, sem nenhum apoio, a mão no peito cansado como a de uma virgem anunciada. E de cansaço abaixando àquela suavidad primeira uma cabeça finalmente humilde que de muito longe talvez lembrasse a de uma mulher. A copa das árvores se balançava para frente e para trás. "Você é uma menina muito engraçada, você é uma doidinha", dissera ele. Era como um amor.
Não, eu não era engraçada. Sem nem ao menos saber, eu era muito séria. Não, eu não era doidinha, a realidade era meu destino, e era o que em mim doía nos outros. E, por Deus, eu não era um tesouro. Mas se eu antes já havia descoberto em mim todo o ávido veneno com que se nasce e com que se rói a vida - só naquele instante de mel e flores descobria de que modo eu curava: que me amasse, assim eu teria curado quem sofresse de mim. Eu era a escura ignorância com suas fomes e risos, com as pequenas mortes alimentando a minha vida inevitável - que podia eu fazer?eu já sabia que eu era inevitável. Mas se eu não prestava, eu fora tudo o que aquele homem tivera naquele momento. Pelo menos uma vez ele teria que amar, e sem ser ninguém - através de alguém. E só eu estivera ali. Se bem que esta fosse a sua única vantagem: tendo apenas a mim, e obrigado a iniciar-se amando o ruim, ele começara pelo que poucos chegavam a alcançar. Seria fácil demais querer o limpo: inalcançável pelo amor era o feio, amar o impuro era a nossa mais profunda nostalgia. Através de mim, a difícil de se amar, ele recebera, com grande caridade por si mesmo, aquilo de que somos feitos. Entendia eu tudo isso? Não. E não sei o que na hora entendi. Mas assim como por um instante no professor eu vira com aterrorizado fascínio o mundo - e mesmo agora ainda não sei o que vi, só que para sempre e em um segundo eu vi - assim eu nos entendi, e nunca saberei o que entendi. Nunca saberei o que eu entendo. O que quer que eu tenha entendido no parque foi, com um choque de doçura, entendido pela minha ignorância. Ignorância que ali em pé numa solidão sem dor, não menor que a das árvores - eu recuperava inteira, a ignorância e a sua verdade incompreensível. Ali estava eu, a menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro.
Como uma viagem anunciada, sim. Por ele me ter permitido que eu o fizesse enfim sorrir, por isso ele me anunciara. Ele acabara de me transformar em mais do que o rei da Criação. Fizera de mim a mulher do rei da Criação. Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
E foi assim que no grande parque do colégio lentamente comecei a aprender a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer, apenas para suavizar a dor de quem não ama. Não, esse foi somente um dos motivos. É que os outros fazem outras histórias. Em algumas foi de meu coração que outras garras cheias de duro amor arrancaram a flecha farpada, e sem nojo de meu grito. (fim)


Clarice Lispector - A descoberta do mundo


Muito lindo, não?
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

sábado, 1 de janeiro de 2011

Noveleta - Travessuras de uma menina - Lispector


continuando a noveleta... Travessuras de uma menina

Ao som de meu nme a sala se dsipnotizara.
E bem devagar vi o professor todo inteiro. Bem devagar vi que o professor era muito grande e feio, e que ele era o homem da minha vida. O novo e grande medo. Pequena, sonâmbula, sozinha, diante daquilo a que era a minha fatal liberdade finalmente me levara. Meu sorriso, tudo o que sobrava de um rosto, também se apagara. Eu era dois pés endurecidos no chão e um coração que de tão vazio parecia morrer de sede. Ali fiquei, fora do alcance do homem. Meu coração morria de sede, sim. Meu coração morria de sede.
Calmo como antes de friamente matar ele disse:
-Chegue mais perto.
Como é que um homem se vingava?
Eu ia receber de volta em pleno rosto a bola do mundo que eu mesma lhe jogara e que nem por isso me era conhecida. Ia receber de volta uma realidade que não teria existido se eu não a tivesse temerariamente adivinhado e assim lhe dado vida. Até que ponto aquele homem monte de compacta tristeza era também monte de fúria? Mas meu passado era agora tarde demais. Um arrependimento estóico manteve erecta a minha cabeça. Pela prmeira vez a ignorância, que até então fora o meu grande guia, desemparava-me. Eu era o único eu.
- ...Pegue o seu caderno... acrescentou ele.
A surpresa me fez subitamente olhá-lo. Era só isso, então!? O alívio inesperado foi quase mais chocante que o meu susto anterior. Avancei um passo, estendi a mão gaguejante.
Mas o professor ficou imóvel e não entregou o caderno.
Para a minha subita tortura, sem me desfitar, foi tirando lentamente os óculos. E olhou-me com olhos nus que tinham muitos cílios. Eu nunca tinha visto seus olhos que, com as inúmeras pestanas, pareciam duas baratas doces. Ele me olhava. E eu não soube como existir na frente de um homem. Disfarcei olhando o teto, o chão, as paredes, e mantinha a mão ainda estendida porque não sabia como recolhê-la. Ele me olhava manso, curioso, com os olhos despenteados como se tivesse acordado. Iria ele me amassar com a mão inesperada? Ou exigir que eu me ajoelhasse e pedisse perdão? Meu fio de esperança era que ele não soubesse o que eu tinha feito, assim como eu mesma já não sabia, na verdade eu nunca soubera.
- Como é que lhe veio a idéia do tesouro que se disfarça?
- Que tesouro? - murmurei atoleimada.
- Ah, o tesouro! precipitei-me de repente mesmo sem entender, ansiosa por admitir qualquer falta, implorando-lhe que meu castigo consistisse apenas em sofrer para sempre de culpa, que a tortura eterna fosse a minha punição, mas nunca essa vida desconhecida.
- O tesouro que está escondido onde menos se espera. Que é só descobrir. Quem lhe disse isso?
O homem enlouqueceu, pensei, pois que tinha a ver o tesouro com aquilo tudo? Atônita, sem compreender, e caminhando de inesperado a inesperado, pressenti no entanto um terreno menos perigoso. Nas minhas corridas eu aprendera a me levantar das quedas mesmo quando mancava, e me refiz logo: "Foi a composição do tesouro! esse então deve ter sido meu erro!" Fraca, e embora pisando cuidadosa na nova e escorregadia segurança, eu no entanto já me levantara o bastante da minha queda para poder sacudir, numa imitação da antiga arrogância, a futura cabeleira ondulada:
- Ninguém, ora... respondi mancando. Eu mesma inventei, disse trêmula, mas já recomeçando a cintilar.
Se eu ficara aliviada por ter alguma coisa enfim concreta com que lidar, começava no entanto a me dar conta de algo muito pior. A súbita falata de raiva nele. Olhei-o intrigada, de viés. E aos poucos desconfiadíssima. Sua falata de raiva começara a me amedrontar, tinha ameaças novas que eu não compreendia. Aquele olhar que não me desfitava - e sem cólera... perplexa, e a troco de nada, eu perdia meu inimigo e sustento. Olhei-o surpreendida. Que é que ele queria de mim? Ele me constrangia. E seu olhar sem raiva passara a me importunar mais do que a brutalidade que eu temera. Um medo pequeno, todo frio e suado, foi me tomando. Devagar, para ele não perceber, recuei as costas até encontrar atrás dela a parede, e depois a cabeça recuou até não ter mais para onde ir. Daquela parede onde eu me engastara toda furtivamente olhei-o.
E meu estômago se encheu de uma água de náusea. Não sei contar.

continua...


******************Beijokas novinhas prá combinar com o ano novinho****************