Blog da Galatéia

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... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos

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sábado, 21 de novembro de 2009

José Saramago




Levantou-se então um grande vento que varreu
de estrema a estrema entre o mar e a fronteira a
terra dos homens

Durante três dias soprou constante arrastando
as nuvens dos incêndios e o cheiro da carne morta
dos invasores

Durante três dias as árvores foram sacudidas
mas nenhuma arrancada porque este vento era igual
a uma mão apenas firme

As carcaças dos animais mecânicos rolavam pe-
las planícies como arbustos desenraizados e tudo era
arrastado para longe para os países onde os pesade-
los nascem e o terror

Depois choveu e a terra ficou subitamente verde
com um enorme arco-íris que não se desvaneceu
nem quando o sol se pôs

Nessa primeira noite ninguém dormiu e toda a
gente saiu das cidades para ver melhor as sete cores
contra o fundo negríssimo do céu

E houve quem chorasse de joelhos na terra
branda nas ervas que rescendiam do vertiginoso
cheiro do húmus

E houve quem ininterruptamente cantasse uma
extática melodia não ouvida antes que era o longo
suspiro soluço da vida que nascendo se sufoca plena
na garganta

E pelos campos fora arderam fogueiras altas que
fizeram da terra vista do espaço um outro céu
estrelado

E um homem e uma mulher caminharam entre a
noite e as ervas naturais e foram deitar-se no lugar
precioso onde nascia o arco-íris

Ali se despiram e nus debaixo das sete cores fo-
ram toda a noite um novelo de vida murmurante so-
bre a erva calcada e cheirosa das seivas derramadas

Enquanto longe no mar o outro ramo do arco-
-íris mergulhava até ao fundo das águas e os peixes
deslumbrados giravam em redor da luminosa coluna

O dia amanheceu numa terra livre por onde cor-
riam soltos e claros os rios e onde as montanhas
azuis mal repousavam sobre as planícies

A mulher e o homem voltaram à cidade dei-
xando pelo chão um rasto de sete cores lentamente
diluídas até se fundirem no verde absoluto dos
prados

Aqui os animais verdadeiros pastavam erguen-
do os focinhos húmidos de orvalho e as árvores
carregavam-se de frutos pesados e ácidos enquanto
no interior delas se preparavam as doce combi-
nações químicas do outono

Entretanto o arco-íris tem voltado todas as noi-
tes e isso é um bom sinal


Saramago



Beijokas coloridas!

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