Foto - tc
Uma revolta
Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.
Clarice Lispector
****************************Mais beijooss*****************************************
Poesias, citações, pensamentos, contos e bastante Clarice Lispector... ...porque amo tudo isso...
Blog da Galatéia
- Galatéia
- ... “Eu adoro todas as coisas E o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido Que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, Para aumentar com isso a minha personalidade. Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio E a minha ambição era trazer o universo ao colo Como uma criança a quem a ama beija.” Álvaro de campos
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terça-feira, 30 de novembro de 2010
Berthe Morisot
Pessoaaallll..... mais um vídeo.... rs
Será que o espaço do blog dará para tantos?
Veremos!
Beijos prá vcs e uma ótima quarta feira!
Aí vai..... Berthe Morisot por Vera. Vídeo by Galatéia.
Será que o espaço do blog dará para tantos?
Veremos!
Beijos prá vcs e uma ótima quarta feira!
Aí vai..... Berthe Morisot por Vera. Vídeo by Galatéia.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Clarice Lispector
A festa do termômetro quebrado
Sempre foi e será uma festa para mim quando se quebra em casa um termômetro e liberta-se a gota gorda e contida de mercúrio prateado, ali no chão, dando uma pequena corrida e depois imobilizando-se, mune. Tento pegá-la com cuidado, auxiliada pela agudez de uma folha de papel que passa deslizadoramente por baixo dela. Ou dele, o mercúrio. Que não se pode pegar: no momento em que eu penso que peguei ele se estilhaça mudo nos meus dedos como mudos fogos de artifício, como o que dizem que nos acontece depois da morte - o espírito vivo se espalha em energia solta, pelo ar, pelo cosmo. Que impossibilidade de capturar a gota sensível. Ela simplesmente não deixa e guarda a sua integridade, mesmo quando repartida em inúmeras bolinhas esparsas: mas cada bolinha é um ser à parte, íntegro, separado. Basta porém que eu alcance ligeiramente uma delas e ela é atraída velozmente pela que está próxima e forma um conjunto mais cheio, mais redondo. Sonho tanto hoje que quebrei um termômetro como em criança, sonho em milhares de termômetros quebrados e muito mercúrio denso e lunar e frio se espalhando. E eu a brincar, toda séria e concentrada em alto grau, a brincar com a matéria viva de uma enorme quantidade de metal prata. Imagino-me a mergulhar como num banho nesse vasto mercúrio que imagino saído dos termômetros: ao mergulhar milhares de bolas se soltariam, cada uma por si mesma, grossas, impassíveis. O mercúrio é uma substância isenta. Isenta de quê? Nada explico, recuso-me a explicar, recuso-me a ser discursiva: é isento e basta. Parece possuir um frio cérebro que comanda as suas reações. Sinto-me em relação a ele como se eu o amasse e ele nada sentisse por mim, nem sequer uma obediência de objeto. O mercúrio é um objeto que tem vida própria.. Lidar com ele é uma experiência não substituível por outra qualquer. Ele não se cede a ninguém. E ninguém consegue pôr-lhe a mão. O espírito, através do corpo como meio, não se deixa contaminar pela vida, e esse pequeno e faiscante núcleo é o último reduto do ser humano. As feras também possuem esse núcleo irradiante, tanto que elas se conservam íntegras, indomesticáveis e vitais.
Noto que passei do mercúrio ao mistério das feras. É que o mercúrio - que constitui matéria lunar - faz meditar, leva-me, de uma verdade a outra, até o núcleo de pureza e integridade que está em cada um de nós. Quem? Quem não brincou com o termômetro quebrado?
Clarice Lispector - A descoberta do mundo
*********************************Beijooss*******************************************
domingo, 28 de novembro de 2010
Edward Hopper
Bom dia, meus 12 leitores!
Sei que vídeo às vezes pode cansar... o "trem" demora carregar... enrosca... mas estou gostando muito de fazê-los.
Posto-os aqui para quem gostar de Artes Plásticas. São trabalhos bacanas feitos por amigos da Comunidade Navegando o Pensamento. Eu estou fazendo os vídeos das apresentações deles.
Então lá vai mais um! rsrs
O sexto vídeo da série: Edward Hopper, feito pelo amigo Alan. Vale ver!
Beijokas!
Sei que vídeo às vezes pode cansar... o "trem" demora carregar... enrosca... mas estou gostando muito de fazê-los.
Posto-os aqui para quem gostar de Artes Plásticas. São trabalhos bacanas feitos por amigos da Comunidade Navegando o Pensamento. Eu estou fazendo os vídeos das apresentações deles.
Então lá vai mais um! rsrs
O sexto vídeo da série: Edward Hopper, feito pelo amigo Alan. Vale ver!
Beijokas!
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Edvard Munch
O quarto vídeo da série Artes Plásticas ficou pronto. Está grandinho... mas perfeito. Prá quem gosta está um prato cheio!
Edvard Munch prá vocês. Por Yedra Ardey.
Vídeo by Galatéia.(que sou eu mesma... hahaha)
Depois de algum tempo....
Barreiras apareceram...
Triste notícia... precisei baixar e baixar a resolução do vídeo para conseguir colocá-lo na web... vamos ver se agora ele vai...
Edvard Munch prá vocês. Por Yedra Ardey.
Vídeo by Galatéia.(que sou eu mesma... hahaha)
Depois de algum tempo....
Barreiras apareceram...
Triste notícia... precisei baixar e baixar a resolução do vídeo para conseguir colocá-lo na web... vamos ver se agora ele vai...
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Van Gogh
O terceiro vídeo ficou pronto. Van Gogh! Ainda está quentinho e posto prá vocês.
A apresentação é de Sophie... muito bela... um vídeo de 12 minutos que vale por muitas horas!
Vale à pena ver!
Beijooss
A apresentação é de Sophie... muito bela... um vídeo de 12 minutos que vale por muitas horas!
Vale à pena ver!
Beijooss
Clarice Lispector
Conversa descontraída
Há quanto tempo não vejo um pôr-de-sol? E os que ví foram por acaso felizes. Talvez haja um pouco de pudor no fato de nunca ter ido à praia para ver o sol descer apaziguando-se e poder fixá-lo sem se me ofuscarem os olhos - e sem o brilho duro de seta fincada no meio-dia. Mas no ocaso o sol em declínio é doçura. E uma parte de nossa Terra tranforma-se em obscuro berço embalante.
A gradual escuridão me amedronta um pouco, bicho que sou e que toma cautela. Escuridão? medo e espanto. O dia morrendo em noite é um grande mistério da Natureza.
O que é Natureza? Pergunta difícil de se responder porque nós também fazemos parte dela e sem distância suficiente para encará-la: em mim ela brota de meu âmago qual semente que rompe a terra. Natureza - como explicar o seu significado único e total? como entender sua simplicidade enigmática? Nem me lembro como ou quando me ensinaram ou li essa palavra - mas não a explicaram. E no entanto entendi. Quem não sabe o que é jamais chegará a saber. Há coisas que não se aprendem.
Espanta-me a Natureza neste mundo que é Deus. E num planeta em que até entre as areias do deserto acontece a vida.
Ainda langorosa do fim do ano, vou então falar do deserto, já que comecei. Estive uma vez à beira do Saara, além das pirâmides. O deserto. A perder-se de vista. Por todos os lados a perdição. A visão de sua extensão nos é cortada pela linha do horizonte como o mar, e, como o mar, é tão profundo.
Experimentei temor ao olhar para o deserto. Quereria depressa atravessá-lo e já estar do outro lado. Também outra vez sobrevoei o Saara e o mesmo temor avisou-me o coração. Imaginei-me perdida e sozinha nas areias infindáveis onde não há rumos, meu Deus. Eu gritaria em vão por socorro.
Vou parar por aqui mesmo para não fabricar angústia em ninguém: o que se quer é um 1972 sem muita angústia. Uma ponte bem lançada que se estenda com graça e leveza levando-nos a 1973 sem se sentir.
Falei em angústia. O que é angústia? Na verdade minha tendência a indagar e a significar já é em si uma angústia. Esta começa com a vida. Cortam o cordão umbilical: dor e separação. E enfim choro de viver.
Viver? Viver é coisa muito séria. É sem brincadeira nenhuma. Embora aqui esteja eu a brincar de ano precioso e novo. Levo a vida deveras e frente a frente. Nestes momentos de "agora mesmo" estou vivendo tão leve que mal pouso na página, e ninguém me pega porque dou um jeito de escorregar. Tive que aprender.
Às vezes não se precisa ter medo da angústia: ela pode ser fértil e dar frutos de alegria e pureza. Mas "é preciso não ter medo de criar", escrevi eu mesma há muitos anos. Estou é achando muito esquisito eu me citar...
Criação é coisa secreta e de natureza obscura. De que ponto do ser nasceu em Stravinski o Pássaro de fogo? Da alma, está bem. Mas onde fica a alma do ser?
Nunca me imaginei escrevendo sobre "alma". Mas a conversa arrastou consigo outra conversa e eis-me aqui de corpo e alma presentes num jornal. O que se chama se essência está em alguma parte do ser. Qual é a essência da vida?
Ah, o que desconheço me ultrapassa. A verdade ultrapassa-me com tanta paciência e doçura.
Queria ultrapassar-me em 1972 e andar à minha própria frente. Sem dor. Ou só com dores de parto que dão um nascimento de coisa nova. Também porque, ao ultrapassar-se, sai-se de si e se cai no "outro". O outro é sempre muito importante.
O verão está instalado no meu coração.
E de tudo - resta esta última frase que me veio isolada, solta e sem se explicar. Assim somos nós? Sem explicação?
Se assim somos, amém.
1972? Amém.
Recuso-me a ser um fato consumado.
Por enquanto sobrenado na preguiça. Adeus.
Clarice Lispector - em A descoberta do mundo
beijokas!
sábado, 20 de novembro de 2010
Escher
Mais um vídeo. Explico que participo de uma comunidade onde alguns membros estão apresentando trabalhos sobre Artes Plásticas. Esse que posto agora foi a apresentação de Jan Robba, que eu transformei em vídeo. ;)
Então lá vai mais um vídeo feito por mim. O segundo da série "Artes Plásticas".
;)Escher
Então lá vai mais um vídeo feito por mim. O segundo da série "Artes Plásticas".
;)Escher
Vídeo
Achei uma brincadeira bem legal. Vídeos. Vou postar prá quem gosta de artes e quiser dar uma olhadinha.
Esse aí é sobre Fernando Botero e sua arte.
Fui eu que fiz! :)
Esse aí é sobre Fernando Botero e sua arte.
Fui eu que fiz! :)
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Clarice Lispector
O livro desconhecido
Estou à procura de um livro para ler. É um livro todo especial. Eu o imagino como um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem autor. Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito desse livro desconhecido e já tão profundamente amado. Uma das fantasias é assim: eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase lida, com lágrimas nos olhos diria em êxtase de dor e de enfim libertação: "Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!"
Clarice Lispector
Mais Clarice - Porque eu amo muito!
Ir contra a maré
Lutei toda a minha vida contra a tendência ao devaneio, sempre sem jamais deixar que ele me levasse até as últimas águas. Mas o esforço de nadar contra a doce corrente tira parte de minha força vital. E, se lutando contra o devaneio, ganho no domínio da ação, perco interiormente uma coisa muito suave de se ser e que nada substitui. Mas um dia ainda hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará.
Clarice Lispector
Beijokas prá vocês! :)
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Clarice Lispector
Conto "As Caridades Odiosas" - Clarice Lispector
As Caridades odiosas
(...)Foi em uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade? Eu passava pela rua depressa, emaranhada nos meus pensamentos, como às vezes acontece. Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se encanchara na minha saia. Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura. Pertencia a um menino a que a sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele. O menino estava de pé no degrau da grande confeitaria. Seus olhos, mais do que suas palavras meio engolidas, informavam-me de sua paciente aflição. Paciente demais. Percebi vagamente um pedido, antes de compreender o seu sentido concreto. Um pouco aturdida eu o olhava, ainda em dúvida se fora a mão da criança o que me ceifara os pensamentos.-Um doce, moça, compre um doce pra mim.Acordei finalmente. O que estivera pensando antes de encontrar o menino? O fato é que o pedido deste pareceu cumular uma lacuna, dar uma resposta que podia servir para qualquer pergunta, assim como uma grande chuva pode matar a sede de quem queria uns goles de água.Sem olhar para os lados, por pudor talvez, sem querer espiar as mesas da confeitaria onde possivelmente algum conhecido tomava sorvete, entrei, fui ao balcão e disse com uma dureza que só Deus sabe explicar: um doce para o menino.De que tinha eu medo? Eu não olhava a criança, queria que a cena, humilhante para mim, terminasse logo. Perguntei-lhe: que doce você...Antes de terminar, o menino disse apontando depressa com o dedo: aquelezinho ali, com chocolate por cima. Por um instante perplexa, eu me recompus logo e ordenei, com aspereza, à caixeira que o servisse.-Que outro doce você quer? Perguntei ao menino escuro.Este, que mexendo as mãos e a boca ainda esperava com ansiedade pelo primeiro, interrompeu-se, olhou-me um instante e disse com delicadeza insuportável, mostrando os dentes: não precisa de outro não. Ele poupava a minha bondade.-Precisa sim, corte eu ofegante, empurrando-o para a frente. O menino hesitou e disse: aquele amarelo de ovo. Recebeu um doec em cada mão, levantando as duas acima da cabeça, com medo talvez de apertá-los. Mesmo os doces estavam tão acima do menino escuro. E foi sem olhar para mim que ele, mais do que foi embora, fugiu. A caixeirinha olhava tudo:-Afinal, uma alma caridosa apareceu. Esse menino estava nesta porta há mais de uma hora, puxando todas as pessoas que passavam, mas ninguém quis dar.Fui embora, com o rosto corado de vergonha. De verogonha mesmo? Era inútil querer voltar aos pensamentos anteriores. Eu estava cheia de um sentimento de amor, gratidão, revolta e vergonha. Mas, como se costuma dizer, o sol parecia brilhar com mais força. Eu tivera a oportunidade de... E para isso fora necessário um menino magro e escuro... E para isso fora necessário que outros não lhe tivessem dado um doce.E as pessoas que tomavam sorvete? Agora, o que eu queria saber com autocrueldade era o seguinte: temera que os outros me vissem ou que os outros não me vissem? O fato é que, quando atravessei a rua, o que teria sido piedade já se estrangulara sob outros sentimentos. E, agora sozinha, meus pensamentos voltaram lentamente a ser os anteriores, só que inúteis.
Em vez de tomar um taxi, tomei um ônibus. Sentei-me.
-Os embrulhos estão incomodando?(...)Foi em uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade? Eu passava pela rua depressa, emaranhada nos meus pensamentos, como às vezes acontece. Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se encanchara na minha saia. Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura. Pertencia a um menino a que a sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele. O menino estava de pé no degrau da grande confeitaria. Seus olhos, mais do que suas palavras meio engolidas, informavam-me de sua paciente aflição. Paciente demais. Percebi vagamente um pedido, antes de compreender o seu sentido concreto. Um pouco aturdida eu o olhava, ainda em dúvida se fora a mão da criança o que me ceifara os pensamentos.-Um doce, moça, compre um doce pra mim.Acordei finalmente. O que estivera pensando antes de encontrar o menino? O fato é que o pedido deste pareceu cumular uma lacuna, dar uma resposta que podia servir para qualquer pergunta, assim como uma grande chuva pode matar a sede de quem queria uns goles de água.Sem olhar para os lados, por pudor talvez, sem querer espiar as mesas da confeitaria onde possivelmente algum conhecido tomava sorvete, entrei, fui ao balcão e disse com uma dureza que só Deus sabe explicar: um doce para o menino.De que tinha eu medo? Eu não olhava a criança, queria que a cena, humilhante para mim, terminasse logo. Perguntei-lhe: que doce você...Antes de terminar, o menino disse apontando depressa com o dedo: aquelezinho ali, com chocolate por cima. Por um instante perplexa, eu me recompus logo e ordenei, com aspereza, à caixeira que o servisse.-Que outro doce você quer? Perguntei ao menino escuro.Este, que mexendo as mãos e a boca ainda esperava com ansiedade pelo primeiro, interrompeu-se, olhou-me um instante e disse com delicadeza insuportável, mostrando os dentes: não precisa de outro não. Ele poupava a minha bondade.-Precisa sim, corte eu ofegante, empurrando-o para a frente. O menino hesitou e disse: aquele amarelo de ovo. Recebeu um doec em cada mão, levantando as duas acima da cabeça, com medo talvez de apertá-los. Mesmo os doces estavam tão acima do menino escuro. E foi sem olhar para mim que ele, mais do que foi embora, fugiu. A caixeirinha olhava tudo:-Afinal, uma alma caridosa apareceu. Esse menino estava nesta porta há mais de uma hora, puxando todas as pessoas que passavam, mas ninguém quis dar.Fui embora, com o rosto corado de vergonha. De verogonha mesmo? Era inútil querer voltar aos pensamentos anteriores. Eu estava cheia de um sentimento de amor, gratidão, revolta e vergonha. Mas, como se costuma dizer, o sol parecia brilhar com mais força. Eu tivera a oportunidade de... E para isso fora necessário um menino magro e escuro... E para isso fora necessário que outros não lhe tivessem dado um doce.E as pessoas que tomavam sorvete? Agora, o que eu queria saber com autocrueldade era o seguinte: temera que os outros me vissem ou que os outros não me vissem? O fato é que, quando atravessei a rua, o que teria sido piedade já se estrangulara sob outros sentimentos. E, agora sozinha, meus pensamentos voltaram lentamente a ser os anteriores, só que inúteis.
Em vez de tomar um taxi, tomei um ônibus. Sentei-me.
Era uma mulher com uma criança no colo e, aos pés, vários embrulhos de jornal. Ah não, disse-lhe eu. "Dá-dádá, disse a menina no colo estendendo a mão e agarrando a manga de meu vestido. "Ela gostou da senhora", disse a mulher rindo. Eu também sorri.
-Estou desde manhã na rua, informou a mulher. Fui procurar umas amizades que não estavam em casa. Uma tinha ido almoçar fora, a outra foi com a família para fora.
-E a menina?
-É menino, corrigiu ela, está com roupa dada de menina mas é menino. O menino comeu por aí mesmo. Eu é que não almocei até agora.
-É seu neto?
-Filho, é filho, tenho mais três. Olhe só como ele está gostando da senhora... Brinca com a moça. meu filho! Imagine a senhora que moramos numa passagem de corredor e pagamos uma fortuna por mês. O aluguel passado não pagamos ainda. E este mês está vencendo. Ele quer despejar. Mas se Deus quiser, ainda arranjarei os dois mil cruzeiros que faltam. Já tenho o resto. Mas ele não quer aceitar. Ele pensa que se receber uma parte eu fico descansada dizendo: alguma coisa já paguei e não penso em pagar o resto.
Como a mulher velha estava ciente dos caminhos da desconfiança. Sabia de tudo, só que tinha de agir como se não soubesse - raciocínio de grande banqueiro. Raciocinava como raciocinaria um senhorio desconfiado, e não se irritava.
Mas de-repente fiquei fria: tinha entendido. A mulher continuava a falar. Então tirei da bolsa os dois mil cruzeiros e com horror de mim passei-os à mulher. Esta não hesitou um segundo, pegou-os, meteu-os num bolso invispivel entre o que me pareceram inúmeras saias, quase derrubando na sua rapidez o menino-menina.
-Deus nosso Senhor lhe favoreça, disse de repente com aautomatismo de uma mendiga.
Vermelha, continuei sentada de braços cruzados. A mulher também continuava ao lado.
Só que não nos falávamos mais. Ela era mais digna do que eu havia pensado: conseguido o dinheiro, nada mais quis me contar. E nem eu pude mais fazer festas ao menino vestido de menina. Pois qualquer agrado seria agora de meu direito: eu o havia pago de antemão.
Um laço de mal-estar estabelecera-se agora entre nós duas, entre a mulher e eu, quero dizer.
-Deixe a moça em paz, Zezinho, disse a mulher.
Evitávamos encostar os cotovelos. Nada mais havia a dizer, e a viagem era longa. Perturbada, olhei-a de través: velha e suja, como se dizem das coisas. E a mulher sabia que eu a olhara.
Então uma ponta de raiva nasceu entre nós duas. Só o pequeno ser híbrido, radiante, enchia a tarde com o seu suave martelar: "dá dá dá."
domingo, 14 de novembro de 2010
Clarice Lispector
“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”
CLARICE LISPECTOR
Clarice Lispector
O QUE É ANGÚSTIA
Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida. Pois depende do angustiado. Para alguns incautos, inclusive, é palavra que se orgulham de pronunciar como se com ela subissem de categoria - o que também é uma forma de angústia.
Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia - e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda.
Clarice Lispector
sábado, 13 de novembro de 2010
Sempre mais Clarice
Teu Segredo
Flores envenenadas na jarra. Roxas azuis, encarnadas, atapetam o ar. Que riqueza de hospital. Nunca vi mais belas e mais perigosas. É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.
Clarice Lispector
Clarice
ATENÇÃO AO SÁBADO
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.
No sábado é que as formigas subiam pela pedra.
Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.
De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana.
Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?
No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.
Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.
Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
Domingo de manhã também é a rosa da semana.
Não é propriamente rosa que eu quero dizer.
Clarice Lispector (do livro "Para não Esquecer")
“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.”
Clarice Lispector
Clarice Lispector - Medo da eternidade
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.
- Não acaba nunca, e pronto.
- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.
- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.
- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
- Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
- Acabou-se o docinho. E agora?
- Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.
Clarice Lispector
Clarice Lispector
Clarice - mais um pouco
Comer gato por lebre
“- Você já comeu gato por lebre? Perguntaram-me devido a meu ar um pouco distraído.
Respondi:
-Como gato por lebre a toda hora. Por tolice, por distração, por ignorância. E até às vezes por delicadeza: me oferecem gato e agradeço a falsa lebre, e quando a lebre mia, finjo que não ouvi. Porque sei que a mentira foi para me agradar. Mas não perdôo muito quando o motivo é de má-fé.
Mas a variedade do assunto está exigindo uma enciclopédia. Por exemplo, quando o gato se imagina lebre. Já que se trata de um gato profundamente insatisfeito com sua condição, então lido com a lebre dele: é direito do gato querer ser lebre.
E há casos em que o gato até que quer ser gato mesmo, mas lebresse oblige, o que cansa muito.
Há também os que não querem admitir que gostam mesmo é de gato, obrigando-nos a achar que é lebre, e aceitamos só para poder comer em paz com tempos e costumes.
Num tratado sobre o assunto, um professor de melancolia diria que já serviu de lebre muito gato ordinário. Um professor de irritação diria uma coisa que não se publica.
Tenho mesmo vergonha é quando não aceito lebre pensando que era gato. (Há um provérbio que diz: é melhor ser enganado por um amigo do que desconfiar dele.) É o preço da desconfiança.
Mas na verdade, quando aceito gato por lebre, o problema verdadeiro é de quem me ofereceu, pois meu erro foi apenas o de ser crédula.
Estou gostando de escrever isto. É que várias lebres andaram miando pelos telhados, e tive agora a oportunidade de miar de volta. Gato também é hidrófobo.
Clarice Lispector
Mais Clarice
As crianças chatas
“Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real. O filho está de noite com dor de fome e diz para mãe: estou com fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela insiste: durma. Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em silêncio no escuro, imóveis. Será que ele está dormindo? – pensa ela toda acordada. E ele está amedrontado demais para se queixar. Na noite negra os dois estão despertos. Até que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da resignação. E eu não agüento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.” C.L.
Clarice...
EM BUSCA DO OUTRO
"Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada."
CLarice Lispector
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